O PROCESSO que ditou a legalização da FMDM em detrimento da federação representativa do associativismo desportivo traz revelações que despertam atenção sobre como foi tomada a decisão a favor daquela federação.
Eurico Gonçalves disse que tudo começou nas vésperas dos Jogos Africanos Maputo-2011, quando o ex-director nacional do Desporto, Inácio Bernardo, mentiu em carta abonatória que abriu caminho pata a legalização da FMDM ao afirmar que o desporto motorizado é parte integrante do evento.A nossa Reportagem teve acesso a uma cópia da carta assinada pelo ex-director nacional dos Desportos, da qual transcrevemos as partes mais importantes:
“Analisámos os documentos que constam no processo em anexo e concluímos que são legalmente exigidos por Lei, em especial pela Lei e Regulamento do Desporto para a constituição da Federação Moçambicana do Desporto Motorizado, as pessoas que se predispõem a constituí-la são idóneas para além de serem agentes desportivos que se dedicam ao desenvolvimento do desporto em geral e, em particular, do desporto motorizado no nosso país. A República de Moçambique candidatou-se e foi aceite a acolher os X Jogos Africanos de 2011, sendo o desporto motorizado uma das modalidades desportivas nacionais que fará parte neste evento desportivo continental e sobre a qual se impõe, internamente, a sua existência jurídica.
E porque compete ao Ministério da Juventude e Desportos fomentar o associativismo desportivo a todos os níveis, o que passa pela criação de condições necessárias para o reconhecimento formal das associações desportivas, abonamos favoravelmente a constituição da Federação Moçambicana do Desporto Motorizado, visto que os membros da Comissão Instaladora reúnem todos os requisitos exigidos pela Lei e Regulamento do Desporto, para este fim”, fim da citação. Segundo Eurico Gonçalves, foi assim que Inácio Bernardo induziu o Ministério da Justiça em erro, na perspectiva de que era imperioso a legalização da FMDM de modo que a modalidade possa estar representada nos Jogos Africanos.
“Foi por via dessa nota que se legalizou a FMDM, mas a verdade manda dizer que o desporto motorizado nunca fez parte dos Jogos Africanos”, elucidou a nossa fonte.O outro pormenor levantado por Eurico Gonçalves é o facto de, com base na carta abonatória, o Ministério da Justiça, através do respectivo vice-ministro, ter recorrido a um artigo que não é aplicável a uma situação em que 10 pessoas singulares pedem reconhecimento da federação. De acordo com a fonte, tal artigo é só aplicável a clubes ou associações, ou seja, o Estado autoriza excepcionalmente a prerrogativa de criação da federação aos clubes ou associações que ainda não tenham ainda a instituição constituída.
“Quer dizer que se fosse para aplicar este dispositivo seria para um pedido interposto por pessoas colectivas, clubes ou associações e nunca por pessoas individuais. Por outro lado, a Lei do Desporto, no seu artigo 81 do respectivo Regulamento, estabelece que as federações desportivas são reconhecidas pelo Ministério de Justiça ouvida a entidade governamental que superintende o desporto, neste caso o Ministério da Juventude e Desportos”, elucidou.
Chamado a comentar sobre o assunto, Inácio Bernardo limitou-se a dizer que o assunto está entregue ao Tribunal e que estava a ser resolvido a nível do Instituto Nacional do Desporto (INADE). O ex-director nacional do Desportos remeteu-nos a António Munguambe, director do INADE, que, por seu turno, disse que a instituição que dirige tem vindo a empreender esforços à busca do consenso entre as partes, salientando que o assunto estava nas mãos da Justiça, a qual caberá encontrar solução do problema.
VOLTE-FACE QUE NÃO RESULTOU
FACE à pressão exercida pelos fazedores da modalidade em não reconhecer a FMDM, o Ministério da Juventude e Desportos indicou, em Abril de 2011, o Conselho Nacional dos Desportos (CND) a reunir-se com os clubes e a aludida federação, com vista a mediar a situação e encontrar uma solução. O encontro, realizado no Chimoio, resultou na criação da federação dos fazedores da modalidade (FDMM), liderada por Manuel Rodrigo Romessane, integrando os clubes subscritores do pedido de impugnação da FMDM. Aqueles clubes submeteram ao Governo o pedido da constituição da FDMM a 1 de Novembro de 2011, depois da tomada de posse da respectiva direcção a 18 de Outubro. A direcção de Romessane foi igualmente empossada pelo Governo. António Munguambe, director do INADE, foi a pessoa que conferiu posse aos membros da FDMM, na presença do CND.
Entretanto, Inácio Bernardo é acusado de ter passado uma segunda carta abonatória, desta vez a favor desta nova organização, a 28 de Novembro de 2011, assumindo implicitamente o erro em ter anuído favoravelmente a legalização de uma federação que surgiu contra a vontade dos fazedores da modalidade. Nesta nova carta, o ex-director nacional do Desporto evoca que “o reconhecimento e legalização impõe-se porque surge da vontade dos fazedores da modalidade”.
Uma vez abonada favoravelmente a legalização da FDMM, esta pediu reconhecimento como entidade jurídica à ministra da Justiça a 14 de Dezembro de 2011, pedido indeferido a 25 de Abril de 2012. O processo foi devolvido, com o despacho da ministra da Justiça, indicando a impossibilidade de reconhecer uma segunda federação, apesar de que a Lei do Desporto não limitar o número de federações por modalidade.
Os clubes, inconformados com a decisão da ministra da Justiça, decidiram recorrer, a 28 de Maio de 2012, ao Tribunal Administrativo para a anulação do despacho de constituição da FMDM, nomeando advogados para assistência do processo. Mas antes, o director do INADE, António Munguambe, curiosamente a figura que conferiu posse a FDMM, reuniu com os clubes a 24 de Maio para informar que o Governo reconhece como legal a FMDM constituída por 10 pessoas singulares e que eles, mesmo sendo pessoas colectivas por força da lei, deveriam filiar-se e obedecer os ditames desta federação.
A 2 de Abril de 2013 os clubes, através da FDMM, dão entrada no Tribunal do recurso contencioso de nulidade contra o Ministério da Justiça, visando a anulação do despacho da constituição da FMDM.
Já a 14 de Junho de 2013, os clubes filiados à FDMM reuniram-se na Beira onde decidiram não se filiarem à FMDM, quer sob pretexto deste organismo, que classificaram de atípico, quer do próprio Governo, o qual foi chamado a respeitar a vontade dos movimentos associativos nas suas mais variadas vertentes. Os clubes salientaram que continuarão a desenvolver as suas actividades dentro da esfera da federação que escolheram integrar enquanto aguardam pela decisão do Tribunal Administrativo no que respeita ao pedido de anulação da constituição da FMDM.
Fonte:Jornal Noticias