COM uma lágrima no canto do olho, à mistura de orgulho de dever cumprido, mesmo debaixo de enormes dificuldades vividas na colectividade devido a razões de ordem financeira, e material, cerca de 30 anos consecutivos de trabalho árduo, é assim que David Matusse, deixa para trás o Clube de Gaza, sua agremiação de coração, na sequência do seu recente despedimento como técnico principal de futebol, por alegados maus resultados no campeonato provincial da modalidade.
Mas afinal o que esteve efectivamdente por detrás do seu afastamento, depois de tantos anos ao serviço ao Clube de Gaza, primeiro como jogador, e depois como treinador?
David Matusse (DM) - Para ser honesto em relação a este assunto, que de certo modo não me deixou surpreso, tudo tem a ver com a incubacão de uma crise sem precedentes que se vinha arrastando nesta agremiação, nos últimos 20 anos, com sinais visíveis de problemas de carácter organizacional e financeiro; depois vieram as cheias de 2000 que praticamente deram um golpe de misericórdia às aspirações de o clube se restabelecer.
Ciente dessa realidade, e da ligação moral e histórica com o Clube de Gaza, para o qual contribui na década 80/90 para muitos momentos de glória, que incluem conquistas de vários campeonatos provinciais em épocas em que havia uma grande competitividade, e um período prenhe de jogadores talentosos como Efraime, os irmãos Bobo, Dungo, Hélder, Dinis, Pascoal, apenas para citar alguns exemplos, decidi aceitar dar uma mão como treinador e tudo fazer para que esta histórica colectividade que se evidenciou particularmente na modalidade de futebol desaparecesse, como era vontade de algumas pessoas que até hoje estão neste clube. Não vou revelar nomes, para não ferir susceptibilidades.
Olha, mesmo fazendo parte do grupo de treinadores mal pagos na alta competição, paradoxalmente o clube foi nos últimos tempos assaltado por gente que nada tem a ver com o desporto, muito menos com paixão pelo clube.São essas pessoas que cobardemente andam a propalar que eu era bem pago, mas que não ganhava campeonatos. Bem pago se referem ao mísero salário de 10 mil meticais que eu auferia mensalmente, e desembolsado nalgumas vezes com alguma irregularidade. Estou a pagar pela teimosia de ter insistido com a vontade de fazer do futebol a minha única forma de vida. Como consequência continuou a viver numa casa precária, e a depender da ajuda de muitos amigos meus, que nunca me abandonaram ao longo destas 3 décadas dedicadas ao futebol aqui no Clube de Gaza.
Sem possibilidades de contratação de jogadores doutros quadrantes como se viravam?
DM - Exactamente devido a esse facto, fomos obrigados a optar por jogadores locais, e a identificação desses atletas era feita pessoalmente por mim. Saíram das minhas mãos novos talentos, que por falta de condições tiveram de abandonar a colectividade, e porque se aperceberam que o ambiente não era dos melhores, encontraram novas e boas oportunidades no Ferroviário de Gaza e no Clube de Chibuto.
Estou a falar concretamente de Jafar, melhor artilheiro no campeonato provincial agora na formação locomotiva da capital de Gaza, e de Lalá, um dos melhores marcadores no Moçambola, agora ao serviço do Chibuto, entre vários num total de 9 atletas. Como exigir resultados a uma equipa de futebol desprovida de órgãos sociais de apoio, sem departamento clínico, sem departamento do futebol, sem patrocinadores, sem campo condigno para a preparação da equipa, numa situação em que só haviam sobejado para amostra eu e o senhor Mansur Daúd.
E daqui para frente o que se pode esperar de David Matusse?
DM - Como disse nasci para o futebol, e sempre me preocupei com a minha formação e durante este período de pausa para eu reflectir sobre o meu futuro, pretendo realizar o quarto nível, por forma a sentir-me mais confortável naquilo que transmito. Hoje em dia, mais do que nunca, o futebol é uma ciência, e nesta profissão de treinador de futebol não se pode inventar nada, sob pena de correr riscos de consequências imprevisíveis. Já fui abordado por alguns clubes para eu prestar a minha contribuição. No devido momento tornarei público esse assunto.
Sai com alguma mágoa do seu clube de coração. O que se poderá aguardar do seu relacionamento com o clube doravante?
DM - Olha, deixo o Clube de Gaza sem nenhum tipo de ressentimentos, porque ao longo destas 3 décadas fui muito bem tratado, cultivei muitas amizades e aprendi muito. Respeito a decisão soberana tomada pela comissão que agora está a dirigir o clube, sou técnico de futebol com formação. Estou na praça, em nenhum momento posso dizer que não poderei regressar à casa que me fez homem e contribuiu para forjar a minha personalidade, mas, por enquanto, prefiro novos desafios. Neste momento a minha preocupação passa naturalmente por outros horizontes e por novas oportunidades de trabalho. Como disse anteriormente, há muitas promessas em perspectiva. Mais logo se verá.
Tenho estado igualmente a receber muita assessoria de amigos meus, para que o desfecho final sobre as 3 décadas de serviço no clube sejam encerradas sem que para tal se tenha de recorrer às instituições judiciais. Fui mandado embora de forma pouco correcta, tendo em conta tudo o que fiz pelo clube. Se esqueceram os homens da comissão que sou um ser humano, que necessita do básico para continuar vivo, e cumprir com uma série de obrigações. Esses senhores correram comigo sem se preocuparem com a minha situação salarial, estão a dever-me vários meses de salário. Quando os contacto, mostram-se totalmente desinteressados em resolver este assunto.
Fonte:Jornal Noticias